REMINISCÊNCIAS SEBASTIANENSES
Conheça aqui: Cangote, Godozinho, Zé Loriano, João Lagoa e Valete de Espada, personagens de São Sebastião do Rio Preto
São Sebastião do Rio Preto é tão rica em histórias que podemos começar pelos seus personagens hilários, aqueles que muito fizeram o nosso riso fluir como a água do Rio Preto, em vias de ser despoluído, segundo promessa do cidadão Boneco, ou Buneco. E vamos aos personagens pela ordem alfabética:
CANGOTE — Quem perpetua esse nome é Laudiene Vieira, professora em Santo Antônio do Rio Abaixo, filha legítima de São Sebastião do Rio Preto. Ela descreve a figura de um conterrâneo conhecido pela alcunha de Cangote. Diz Laudiene, historiadora que, dentre muitas outras chamativas pela própria existência, destaca-se um popularmente conhecido como CANGOTE.
“Ei-lo um homem de meia idade, que seria um cidadão comum, não fossem algumas características que o tornam único. A começar pelo atípico apelido, uma referência direta ao espaço do corpo humano entre o ombro e a cabeça, mas especificamente atrás do pescoço, região sensível ao toque, que a depender da pessoa, provoca calafrios”.
E continua a historiadora: “Pois bem, não se sabe exatamente quando começou, mas é disso que ele é chamado aceitando-o de bom grado, e a população ignora que o seu verdadeiro nome, escolhido pelo seu finado pai e presente mãe, registrado em cartório, é Wadson. Se procurarem por esse cidadão Wadson, nem os fofoqueiros de plantão saberão quem é. Não bastasse o apelido aqui descrito, Cangote se destaca por uma risada extravagante, dessas que, sem exageros, se pode ouvir a um km de distância. Basta que algo seja minimamente engraçado, para que ele se regozije numa solta, ampla e irreverente gargalhada”. E conta toda a sua trajetória até várias temas que podem ser cognominados epopeias.
GODOZINHO — Nada a ver com o velho seu Godó, meu avô, Godofredo Cândido de Almeida; nem com meu tio, Godofredo Cândido de Almeida Júnior; quanto menos meu primo Godofredo Cândido Duarte, o bom de bola e ótimo de violão e voz. Aquele a quem me refiro conheci quando era criança. Era um homem de cabeça branquíssima como algodão, pequeno como a maioria dos personagens da Vila, cachaceiro como os que carrega, o apelido de gambá, pornográfico ao extremo.
Quando ele aportava do lado da Rua do Bonfim, os pais de família tremiam. O motivo? Desci as ruas proferindo nomes feios, impublicáveis, indizíveis. Arrastava os pés na poeira comum em todas as ruas, só levantadas também pelas tropas e cavaleiros que desciam no rumo de baixo. Demorava, demorava, demorava, parece que suas palavras tinham que ser ouvidas por todos os moradores, inclusive os mais velhos. Assim, os chefes de família tinham que se juntar e repelir as falas do Godozinho, do Paraguai, o legítimo era o meu avô, que se primava por ser um filho contribuinte do lugar no fornecimento de água, luz e banda de música.
Não só os palavrões saíam da boca despudorada de Godozinho. Também as chamadas profecias malditas, prevendo mortes e mais mortes. Ele parava em frente as casas nas quais moravam pessoas velhas e decantava o nome da seguinte forma, gesticulando uma das mãos como se estivesse batendo sino: “Brevemente, brevemente, brevemente, fulano de tal, dim, dim, dim, dão, dão, dão”. Claramente, queria dizer que alguém, com nome citado, às vezes completo de batismo e cartório, iria morrer. Fui crescendo e, então, Godozinho desapareceu das ruas sebastianenses, ou são-sebastianenses.
JOSÉ LORIANO — Conhecido como Zé Gambá porque bebia como um saruê, ou mesmo um encachaçado, só era visto nas ruas quando estava realmente “chapado”. No princípio, não apreciava ser chamado de Zé Gambá, depois foi se acostumando, acostumando, até criar alguns frases que requeriam análise literária.
Loriano dizia sempre uma construção fraseológica com recursos de conotação literária, figuras de linguagem, ritmo e musicalidade. Vejam esta, quanto lhe gritavam o apelido, ele retrucava: “Um gambá morto vale mil contos”. Também não perdoava as figuras femininas que mais lhe atiçavam. Olhava para os lados e soltava a sua resposta: “Essas moças de São Sebastião não têm regra”.
Na música tinha parafraseada de "Batemarteson", assim descrita: “Em São Sebastião ele nasceu/ E entre farras ele se criou / Seu nome em lenda se tornou/ Zé Loriano, Zé Loriano”. A melodia termina assim: “Gravou seu nome no alambique/ Zé Loriano, Zé Loriano”.
JOÃO LAGOA — Nome próprio que ele declamava em verso e prosa, João Ferreira Neto era figura de parentescos na elite, principalmente de grandes fazendeiros. Depois de beber umas doses de aguardentes, João Lagoa ficava pronto para esparrar por todos os lados as suas metáforas que valiam dinheiro se aparecesse uma escola literária de renome. Saibam que eu era um seguidor implacável de João Lagoa, a ponto de tê-lo irritado certa vez. Vamos pela ordem, e vamos evitar algumas por falta de autorização de familiares:
— De vez em quando a polícia prendia João Lagoa. Razão? Por estar naquele dia um pouco nervoso, fato raro. As pessoas que viam aquele “absurdo” mandavam-lhe pratos de comida no local em que estava, o que denominavam “cadeinha”, na Rua do Bonfim. Quem uma vez lhe mandou um prato recheado de carne e ovos, além de verduras, foi minha cunhada, Marlene. O entregador desta tarde/noite foi outro cunhado, João Moura, que tinha seus dez anos, por ai.
Então, João lhe levou a boia que cheirava ter sido feita na hora, fumegando (o tempero de Marlene é de arrancar paladares. Ficou na porta da cadeinha aguardando a devolução dos pratos e colher, enquanto o guarda, um soldado, estava na vigilância armada. João pedia insistentemente: “Coma, Lagoa, você não pode ficar com fome!” E o xará nem ligava. De cabeça baixa, agachado no chão, não havia nem uma cadeira, depois de muito pedir, João Lagoa soltou, aos berros, sua característica, a frase repetitiva:
— Homem enfezado não come, homem enfezado não come, homem enfezado não come, não come, não come, não comeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!
E não come mesmo. A boia permaneceu intata até a sua devolução no dia seguinte.
Outra de João Lagoa era nos botecos. Ele era um homem “rico” nas palavras, no comportamento, no procedimento. Dizia sempre que comprou a fazenda tal, tal, tal e tal por tantos milhões de reis. Mas certa vez contestaram-no quando pediu a alguém que lhe pagasse uma dose de cachaça. Disse esse alguém:
— Se você é um homem rico, como vive pedindo que lhe paguem bebida?
Lagoa estava com a resposta na ponta da língua:
— Fazendeiro rico não anda com dinheiro no bolso, fazendeiro rico não anda com dinheiro no bolso, fazendeiro rico não anda com dinheiro no bolso, no bolso, no bolso, no bolsoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo”,
E chegou um dia de sua notável declaração literária, cheia de figuras de linguagem. Foi o seguinte: meu cunhado José Damázio Soares, que se casou com minha irmã Elizabet (ambos in memoram) adquiriu a linha de ônibus São Sebastião a Itabira. Comprou e ficou pagando o restante em prestações. O ônibus arrancava toda manhãzinha, sempre com o motorista Leitoa (apelido de José Damázio). João Lagoa, que havia dormido a noite toda na rua (com frio ou calor, às vezes ganhava uma acomodação) saía gritando diante da janela do quarto de Damázio:
— Acorda, Zé Leitão, Acorda, Zé Leitão! Passarinho que não deve nada a ninguém tá voando há muito tempo, voando há muito tempo, voando há muito tempoooooo!!!
VALETE DE ESPADA — Morava pros lados da Banqueta (Sebastião Saturnino deve ter conhecido). Que eu saiba, não produzia frase alguma, era um caladão como o Baixinho da Kaiser, mas havia nele uma atração inegável pela aparência física com a figura do baralho. E olhem que a época tinha o costume de noitadas na jogatina de baralho.
José Sana
Em 12/07/2025
Imagens: Redes Sociais
PS: Agiardem que vêm mais Reminiscências e personagens de São Sebastião do Rio Preto
Sensacional!
ResponderExcluirReminiscências pontuais e necessárias, porque a história precisa ser recontada para aqueles que não a vivenciaram em tempo real
E São Sebastião do Rio Preto, tem personagens que cabem em um "livro" e risadas não faltariam aos que se dispusessem a sua leitura.
Que conto inteligente! Parabéns José Sana, só você mesmo para não deixar morrer memórias tão engraçadas e locais como estas.
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